Morte Inesperada, de João Dias Martins



SINOPSE:
Tudo o que Valter Dias queria era uma vida sossegada e um emprego estável. Um dia consegue isso, mas a um preço demasiado elevado.
Para que Valter pudesse obter o emprego desejado, alguém teve de morrer. Valter é uma testemunha desse crime, mas é incapaz de contá-lo as autoridades, receando ser ele o acusado.
A sua complacência deixa-o em ligação directa com o misterioso assassino, que lhe vai enviado provas dos crimes que comete em seu nome. Valter tem um anjo da guarda a olhar por si e está nas suas mãos detê-lo, antes que o paraíso se transforme num inferno.

EXCERTO:
«Eram poucas as coisas capazes de surpreender Valter Dias. Ou assim ele achava. Naquela semana, para seu grande espanto, as surpresas sucediam-se dia após dia. Começara com a resposta quase na hora ao currículo que enviara para um cargo de trampa numa das poucas empresas capazes de aceitar alguém mal qualificado como ele. À resposta rápida seguiu-se uma entrevista no dia seguinte, finda a qual, foi para casa satisfeito com a sua prestação.
Segunda-feira, enviou o currículo. Terça-feira, foi à entrevista.
Na quarta-feira, Valter recebeu um segundo telefonema da empresa. Considerando a maré de sorte que o banhava desde o início da semana, não ficou surpreendido quando lhe contaram que tinha sido aceite.
A surpresa, o choque, para ser mais exacto, viria nos dias seguintes, segmentada.
O primeiro segmento aconteceria logo no dia seguinte com uma notícia de jornal. Um homem fora encontrado morto por degolação. Nada de novo neste mundo salpicado de sangue. Excepto que ele conhecia aquele homem. Estivera com ele no dia anterior. Era o único candidato ao lugar além dele.
Quando recebera o telefonema a informar da sua selecção para o lugar, ficara maravilhado com a sua sorte. Agora começava a pensar no que aconteceria quando a maré mudasse. Iria essa mudança trazer uma maré azar equivalente. Ele não era era pessoa de acreditar nessas coisas, só que até o mais ateu dos ateus é capaz de rezar numa situação de vida ou de morte
Teria a sua prestação sido tão boa quanto ele a imaginava?
Com dois candidatos para escolher e estando um deles fora do baralho não seria de estranhar a empresa acabar por ficar com o candidato restante. Talvez tudo não passasse de uma bizarra coincidência e Valter fosse mesmo o candidato escolhido, quer o outro estivesse vivo ou morto. Era preferível acreditar que era bom no que fazia, senão não valia a pena aceitar o cargo.
Quarta-feira, começou a trabalhar. Quinta-feira, soube da morte do outro candidato.
Sexta-feira, no regresso a casa, parou num café para beber uma imperial. Descobrira aquele espaço dois dias antes, porém só agora entrava lá. O café tinha vista para o rio. As águas calmas lá em baixo recordavam-no as manhãs de ida à pesca com o seu pai—o despertar às quatro da manhã, o frio e, não raras vezes, a frustração de não apanhar nada.
Às 19h00, Valter estava nesse café, numa mesa que não teria sido a sua primeira opção, com a imperial quase no fim, quando o seu telemóvel tocou. Atendeu. “Sim?”
“Podes agradecer-me pelo favor que te fiz.”
Valter não reconheceu a voz. O número era anónimo. Imaginou qual poderia ser o teor da conversa; no entanto, fingiu desentendimento. “Quem é que está a falar?”
Do outro lado, a chamada foi terminada sem resposta. Segundos depois, o seu telemóvel apitou—recebera uma nova mensagem de vídeo. Abriu o vídeo e assistiu, chocado, à degolação do outro candidato. A gravação estava num plano muito aproximado que deixava ver o rosto e o pescoço do condenado, mas não o local.
Quando o assassino se afastou para um plano mais geral, Valter reparou, com horror, que o crime ocorrera na sua casa.»