Duplo Id, de Ricardo Neves

 
SINOPSE:
A vida de Sérgio, empregado anónimo numa seguradora, anda num caos. Não lhe bastavam os pesadelos que o atormentam todas as noites e um chefe arrogante e autoritário, ainda tem de localizar um ficheiro de um cliente. Tudo seria normal, não fosse o facto de essa pessoa não existir. Convencido de que lhe estão a fazer uma partida, Sérgio decide criar um ficheiro falso e entregá-lo ao chefe.
O chefe desconhece alguma vez ter feito tal pedido. Sérgio está prestes a esquecer tudo aquilo, quando descobre um memorando com vinte e dois anos na sua secretária. O memorando faz referência a Álvaro Francisco Estevão, alguém que não existia até há bem pouco tempo. Sérgio decide partir em busca do homem por detrás do nome e vê-se confrontado com um lado desconhecido do seu passado.

EXCERTO:
«Com o passar dos meses, os pesadelos aumentaram de frequência ao ponto de não saber se havia de dormir ou ficar acordado. Já não sentia mais que fossem pesadelos ou alucinações que me atormentavam; antes pareciam memórias de um outro eu, vivências que eu nunca tinha vivido, embora assustadoramente familiares.

A primeira alucinação de que tenho consciência surgiu como um sonho diurno. Estava no escritório, a conversar com alguns colegas junto à máquina do café, quando o meu chefe de secção aproximou-se e perguntou-me pela actualização do Ficheiro Estevão. Não fazia a mais pequena ideia do que era o Ficheiro Estevão, mas não iria dar parte de ignorante.

Com certeza, senhor Lopes,” respondi. “Vou já tratar disso.”

Ele deu meia volta sem dar resposta e seguiu para o seu gabinete. Terminei o café, deitei o copo no cesto do lixo e dirigi-me ao Arquivo. Sentei-me em frente ao computador, introduzi o meu nome de utilizador e a minha senha e verifiquei o sistema em busca do registo do tal Ficheiro Estevão. Não havia nada. Pensei então que poderia ser um ficheiro ainda não introduzido no sistema.

Levantei-me e saí pela porta contígua que dava acesso à sala onde eram guardados todos os documentos antes de serem processados. Pilhas de caixotes faziam aquele espaço parecer ainda mais pequeno do que já era. Os documentos estavam arquivados por ordem alfabética. Deviam estar, caso todos fizessem bem o seu trabalho. Peguei num dos caixotes com a letra “E” escrita a marcador preto, tirei a tampa e comecei a procurar. Quando não encontrei nada, peguei noutra caixa e tentei novamente. Nada.»